Pré- Rafaelitas e Desperate Romantics

ophelia john millais

A minissérie de TV, Desperate Romantics traz de volta à vida os fundadores do movimento artístico chamado Irmandade Pré-Rafaelita. A obra foi ao ar em 2009, mas voltou a repercutir no público internacional recentemente, pois foi adicionada ao catálogo da Amazon Prime Video em alguns países. Apesar das pinturas pré-rafaelitas se manterem famosas mesmo depois de dois séculos de criação, pouco se produziu sobre os pintores que materializaram as ideias deste movimento artístico; diferentemente dos expressionistas por exemplo, que já tiveram suas vidas e obras transformadas em livros, filmes e até animações.

Irmandade Pré-Rafaelita

A irmandade pré-rafaelita foi criada por nomes hoje famosos na pintura, mas até então desconhecidos e de certa forma rejeitados. Dante Gabriel Rossetti pode ser considerado o integrante mais famoso na atualidade, apresentando nas suas obras as principais características do movimento em questão: aborda personagens presentes na mitologia grega e em contos arthurianos, faz uso de cores vivas e elementos da natureza, assim como, busca expressar singularidade, fugindo dos padrões academicistas que imperavam na época.

Além de Rossetti, a Irmandade era composta por John Millais, autor de uma das obras mais conhecidas: “Ophelia”. Millais veio a ser um dos pintores mais bem pagos da época, e foi também o primeiro a romper com o estilo pré-rafaelita, fazendo uso de outras técnicas artísticas posteriormente. Apesar de ser duramente reprovada pelos críticos de arte da época, a mudança nas obras de Millais possibilitou que o pintor atingisse um público de compradores maior e experimentasse novas técnicas.

Willian Hunt foi o terceiro fundador do grupo artístico, tendo seu foco direcionado para reinterpretação da arte sacra, retratando em algumas de suas obras temas que remetem ao divino e expondo uma reflexão por meio dessa conexão. Hunt transportou para telas a sua religiosidade e as vivências em suas viagens ao oriente, em especial para Jerusalém. Rossetti, Millais e Hunt criaram a Irmandade no período em que estudavam na Academia Real Inglesa e buscaram, desde o início, romper com as normas artísticas acadêmicas revolucionando o cenário da época com seus ideais e estéticas intensos.

O nome do grupo artístico não remete a nenhum de seus fundadores, e sim ao Rafael Sanzio, um dos pupilos de Da Vinci. Os pré-rafaelitas criticavam severamente as obras do pintor, e consideravam o período anterior ao seu a maior fonte de inspiração, logo pré-rafaelitas. Entre os maiores aspectos de destaque nas pinturas do grupo está a busca pela representação de figuras presentes nas fantasias medievais e a criação de um cenário natural fantástico, explorando a intensidade nas cores dos elementos naturais. A busca pela ruptura com a estética quase que padronizada da época e a expressão de sensualidade nas pinturas também podem ser algumas características que diferenciam as obras produzidas sob o nome de pré-rafaelitas.

Desperate Romantics

A minissérie de TV, produzida pela BBC foi ao ar em 2009 apresentando uma interpretação dramatizada das vidas e das obras dos artistas fundadores da Irmandade Pré-Rafaelita. Apesar de ser uma das poucas a representar esse universo, não foi a primeira, pois em 1975 a mesma emissora produziu The Love School, estrelada por Ben Kingsley no papel de Rossetti.

Nessa versão, Rossetti é interpretado por Aidan Turner, estrela da série de época Poldark. O Rossetti de Desperate Romantics é um artista com ego inflado e obcecado por reconhecimento, ao mesmo tempo que um homem passional e inseguro. Quanto ao processo de criação, a série dá a entender que Rossetti tinha uma certa dificuldade de produzir e terminar obras, deixando diversas inacabadas e usando rascunhos de seus amigos como seus.

A história é contada por Fred Walters (Sam Crane), um jornalista que se tornou amigo do grupo de artistas e se encantou com os ideais revolucionários propostos. Apesar de não ser incluído inicialmente no grupo como um artista, Fred se torna uma figura crucial na história, buscando conexões com críticos importantes e financiadores possíveis, além de apresentar aos pintores quem viria a ser a maior musa pré-rafaelita: Lizzie Sidall (Amy Manson). A jovem de vasta cabeleira ruiva enfeitiça os artistas desde o primeiro momento e se torna, apesar da resistência dos familiares, a modelo oficial – e disputada- dos pintores pré-rafaelitas. Apesar de não ser lembrada como uma parte crucial da Irmandade, Lizzie se tornou não só o modelo de beleza ideal para os padrões do grupo artístico, mas também uma das principais pintoras do estilo.

Com o desenrolar da trama são apresentadas histórias paralelas entre personagens históricos, mas o foco ainda é mantido nos seis personagens: Lizzie, Fred, Rossetti, Hunt (que recebe o apelido de Maniac na série devido às explosões de fúria), Ruskin e Millais. As idas e vindas amorosas entre os artistas e suas modelos, as experiências e abusos de drogas, a busca desesperada por reconhecimento e remuneração se tornam os pontos de foco da trama, mas pouco se fala de fato sobre as obras e o desejo do grupo em revolucionar o cenário artístico da época, o assunto é mencionado uma ou duas vezes ao longo dos episódios.

A direção da minissérie é assunada por Paul Gay, um dos responsáveis também por Skins. Embora exista um vácuo de cerca de dois séculos entre as histórias, algumas fórmulas se repetiram, como a exploração das cenas de sexo, o abuso de drogas e as relações conflituosas entre personagens. Particularmente enxergo isso como um aspecto negativo, pois leva ao empobrecimento narrativo, transformando a vida de artistas revolucionários em uma Malhação de época, em que o colégio é substituído pela Academia Real Britânica.

Quanto aos aspectos técnicos, a fotografia e figurinos são impecáveis. De fato conseguem transportar o espectador para o ambiente da época. O figurino chegou a ser nomeado ao BAFTA merecidamente, pois além de utilizar a representação de alguns elementos estéticos presentes nas obras dos pintores, como as cores vivas e ornamentações florais o figurino também consegue refletir a evolução da personalidade dos personagens de forma clara. A fotografia é um dos pontos altos, tornando diversas cenas verdadeiras pinturas e apresentando as obras originais em uma espécie de aparições para o público.

Esteticamente a obra é impecável, porém a interpretação de Aidan Turner no papel de Dante Gabriel Rossetti e o roteiro frívolo transformam uma narrativa cheia de potencial em mais uma história sobre jovens boêmios, deixando em segundo plano uma parte crucial para a história: as pinturas. A arte de pintar, assim como de posar e até mesmo a análise crítica das obras e o contexto artístico da época dão espaço aos dramas individuais dos personagens, que são explorados de forma crua, destruindo assim o potencial da obra. Desperate Romantics poderia ter sido uma obra magnífica, mas não foi.

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